sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A Festa

Estávamos em algum tipo de chácara reservada para o evento.
Passaríamos o fim de semana ali. Era noite de sexta.
Em um salão tocava uma música e as pessoas espalhadas conversavam.
Ele estava ali. Queria ir até ele, começar uma conversa, mas minhas pernas se recusavam. Ainda tinha esse problema, uma certa “paralisia” e um coração acelerado quando ele estava por perto.
Ele começou a conversar com uma garota. Eu a conhecia. Era amiga de um amigo meu, mas não me lembrava de seu nome. Era uma morena meio baixa de cabelos cheios.
Olhei em volta e parecia que casais estavam se formando. As luzes estavam cada vez mais baixas, a música mais alta e as conversas mais próximas.
As coisas estavam andando rápido demais ou eu é que estava paralisada a muito tempo?
Ela estava cada vez mais próxima dele. Ela tinha cabelos castanhos e sua pele tinha um tom alaranjado que contrastava com a pele branca dele.
Queria acreditar que era apenas a música alta que impedia uma conversa a distancia.
Por que estava me iludindo?
Ele não queria nada comigo, queria apenas ser mais um amigo.
Pensei nessa minha afirmação.
Ou talvez nem isso, pois já fazia tempo que ele se mantinha a certa distância de mim.
O problema é que eu não queria ele apenas como amigo. Esse devia ser o motivo do afastamento. Devia pensar que ser apenas meu amigo devia me magoar e que era melhor não ser nada. Mas ele estava enganado. Eu preferia tê-lo por perto e aproveitar sua companhia mesmo que isso fosse o máximo que ele pudesse me dar.
Perdi a noção do tempo. Já devia estar parada ali a quase uma hora.
Seus rostos estavam mais próximos. Próximos demais.
Mesmo sabendo que ele não me queria, não estava disposta a ver isso. Por que não saía dali? Ele devia ter razão, eu não podia simplesmente ser amiga dele. Uma amiga não se incomodaria com isso.
A música já era bem alta. Agora para alguém ser ouvido, só falando ao ouvido mesmo. E era exatamente isso que os poucos que ainda conversavam faziam.
Um beijo aconteceu entre eles.
Gelei e prendi a respiração. Devo ter ficado branca como vela.
Foi um beijo sem muita graça, mas ainda era um beijo.
Devia ser eu no lugar daquela garota – pensei.
Não podia ficar mais. Daquilo me doía. Não agüentaria. Um nó se formara em minha garganta. Voltaria ao meu quarto.
Me despedi brevemente das pessoas. Me despedi dele e também dela, num momento em que conversavam.
Pretendia me despedir e ir embora, mas alguma coisa me fez desabafar ao me despedir da garota que não lembrava o nome. Desabafar o que estava preso em meu peito fazia tempo. Acabei dizendo em seu ouvido.
— Eu era apaixonada por ele.
— Era ou é? – ela me questionou.
— Sou. Mas fazer o que, né....
— Há dois anos. – ainda sussurrei antes ir embora.
Não cheguei a ver a reação dela, pois me virei e saí o mais rápido possível dali.
As lágrimas já molhavam meu rosto quando alcancei a saída. O cheiro de terra molhada me invadiu. Havia chovido.
Uma ladeira íngrime e estreita se estendia na minha frente. O único caminho para a “casa” em que estávamos hospedados. A subida estava vazia. Todos deviam estar na festa.
Meus olhos embaçados pelas lágrimas dificultavam a subida, não enxergava direito. Usava as mãos para me apoiar de vez em quando para não cair.
Ouvi passos atrás. Não queria que ninguém me visse assim. Precisava me controlar.
Uma voz falou.
— Espere. – era a voz dele. Reconheceria aquela voz em qualquer lugar.
Continuei subindo. Ele não poderia me ver assim.
Mas ele logo me alcançou. Já estava ao meu lado.
— Por que você nunca me disse?
Ela havia contado a ele. Por que faria isso?
Parei de subir. Meus olhos ainda molhados encaravam o chão de pedras. Não conseguia responder nada.
Ele passou um braço em meus ombros e me ajudou a continuar o caminho até a casa. Não disse nada durante o percurso.
Me sentei em um banco do lado de fora da casa, perto de uma jaboticabeira com flores.
Algumas pessoas não tinham ido a festa e se espalhavam pelo jardim em uma conversa baixa a meia distancia. Nenhuma delas pareceu perceber nossa chegada.
Ele se sentou ao meu lado.Seus olhos negros me observavam e os meus já estavam secos.
Percebi que alguém nos observava mantendo certa distancia. Era a garota morena sem nome. Ele parecia não se incomodar com a presença dela e nem ela com a proximidade dele a mim. Quando nossos olhares se cruzaram ela assentiu com a cabeça, com um meio sorriso no rosto, e nos deixou. Tomou o caminho de volta à festa.
Nada mais fazia sentido pra mim.
Senti os seus dedos suaves passando pelos meus cabelos. Seus olhos ainda me observavam, mas já não eram olhos preocupados. Seus olhos sorriam. Sua mão segurou na minha – era quente.
— Você devia ter me dito!
Apesar de meus olhos já estarem secos minha garganta ainda tinha um nó. Não de tristeza, mas de perplexidade. Não consegui dizer nada.
Seus dedos acariciavam meu rosto. Sentia meu rosto esquentar. Devia estar ficando vermelha. Podia ouvir meu próprio coração batendo acelerado.
Senti seus lábios macios tocarem meu rosto de leve. Fechei os olhos.
Seus lábios deslizavam em direção aos meus. Os cabelos em minha nuca se arrepiaram.
Nossos lábios se encontraram. Foi um beijo sem descrição. Um beijo cheio de significado. Não eram necessárias palavras. Eu sentia. Ele também me queria. Sempre quis, desde que nos conhecemos, desde aquele primeiro olhar trocado.
O beijo que demorou dois anos para acontecer.
Esqueci de tudo o mais naquele momento!

Passamos os outros dois dias juntos. Era como se sempre estivéssemos juntos. Pareci um sonho.

Passeávamos de mãos dadas pela calçada depois de sairmos de uma loja quando comecei a ouvir uma música familiar. Ainda não conseguia lembrar de onde a conhecia.
A música foi ficando mais alta conforme caminhávamos, cada vez mais alta.
Com um estalo e um susto reconheci a música. Perdi o fôlego.
Abri os olhos. Ele havia sumido. Estava em minha cama ainda com a respiração ofegante. Era a música do meu despertador.
Fora tudo um sonho.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Último Olhar

Acordei naquele dia com o lábio inchado. Fora o pesadelo com ele que me fizera morder o lábio durante o sono.
Levantei de mal humor. Queria acabar logo com aquilo.
Liguei para casa dele. Ninguém atendeu.
Ele dissera que voltaria à cidade no dia anterior. Onde estaria?
Liguei para o celular. Caixa postal.
Droga! Quanto mais aquilo fosse adiado, pior.
Novamente um embrulho no estômago. Depois umas reviravoltas.
Vomitei.
Aquilo já era demais. Precisava parar de vomitar toda vez que pensasse nele.
A manhã passou sem maiores acontecimentos.
A tarde tentei novamente. 22882020 – chamando. Ele atendeu.
Marquei com ele para pegar minhas coisas e devolver as dele. Seria a primeira vez que o veria depois daquilo. E pretendia que fosse a última também.
Subi no armário para pegar as taças que ele me dera de natal para juntar às coisas dele. Eram taças de champagne com palavras tipo amor, prosperidade, felicidade, etc, que usamos no ano novo.
Tudo mentira. Não as queria mais.
Coloquei tudo no carro e fui ao local marcado. Não queria ele na minha casa.
Chegando encontrei aqueles olhos verdes tão familiares, mas já não me diziam nada.
Trocamos as sacolas com nossos pertences. Agora só faltava ficar livre dele.
― Se você quiser falar alguma coisa a hora é agora. Não terá outra oportunidade. Você não me verá nunca mais. - declarei.
― Me desculpe. Eu sei que errei e errei feio. Sei que estraguei a sua vida e a minha. Estraguei muitas vidas. Eu não te mereço.
Ah, agora que ele percebia que não me merecia.
― Não tem como te desculpar. Você tem culpa sim.
― Eu sei e lamento muito.
Mas seus olhos não pareciam lamentar nada.
Seus olhos diziam apenas que estava incomodado com a situação, mas diziam que se arrependia.
Ele me disse mais uma dúzia de coisas que já não importavam.
Aqueles olhos verdes é que me disseram o que importava.
Ele nunca me amara de verdade. Apenas enganou a mim e a si mesmo. Ele nunca amara ninguém.
― Eu quero que você apague todos os meus telefones. Agora. - exigi.
Não queria que ele resolvesse me ligar para se desculpar denovo ou para tentar me envolver denovo, como já havia feito outras vezes.
Agora chega. Nunca mais. - pensei comigo.
Não queria mais nada dele.
Ele apagou meus números do celular.

Liguei o carro e deixei-o sentado na calçado e fui embora sem olhar para trás.

Neste dia e naquela noite eu chorei tudo que não tinha chorado naquelas duas semana anteriores. Chorei de se faltar ar, chorei do fundo da alma.
Adormeci de exaustão.

Nos dias seguintes era como se o ar ficasse cada vez mais leve. Estava livre. Livre de tudo.