domingo, 29 de março de 2009

A Viagem

O comandante anunciou.
― Tripulação, preparar para o pouso.
Olhei pela janela. Lá em baixo, no entorno do aeroporto até onde a vista podia alcançar, só havia pasto e vaquinhas.
― Isso, realmente, é no meio do nada – pensei.
O avião descia cada vez mais. Mais vacas a vista.
O avião tocou suavemente o solo.

A cidade nublada. Cheiro de terra. Ar quente, quente e seco, que fazia ressecar as vias respiratórias dos visitantes.
O aeroporto tinha um certo jeito de rodoviária, porém mais arrumada. As lojinhas, que eram bem poucas, ficavam do outro lado da única rua que passava pelo aeroporto.
Dali saía o ônibus que ia para a cidade. Com sorte levaria uma hora até lá.

Cheguei ao hotel, já passava bastante da hora do almoço.
― Boa tarde, tenho reserva. Preferia um andar alto – disse.
Queria poder tirar umas fotos da cidade do alto. Também sabia que nos andares altos tinha internet sem fio.
― Desculpe senhora, mas sua reserva é para quarto standard. Os quartos standard só vão até o 6º andar.
Quarto standard, ou seja, sem rede, sem internet, sem vida virtual.
― Pelo menos quero um quarto com cama de casal.
Não passaria uma semana sendo obrigada a dormir em uma cama de solteiro.
― Quarto 312. Seu cartão.
Não existiam mais chaves nos hotéis. Foram substituídas por cartões magnéticos.
Dizem que são ótimos e seguros. Desde que não se sente em cima deles, pois quebram com facilidade – pensei. Ou ainda quando desmagnetizam e impedem sua entrada no quarto, o que não é raro ocorrer.
Ah, nada como a boa e velha chave!

Subi pelo elevador ainda inconformada com a falta de conectividade daquele quarto.
No Rio o prefeito anunciava em todos os jornais que favela ia ter rede de internet sem fio grátis. E naquele hotel, que não tinha uma diária nada barata, só pagando adicional pelo quarto especial.
Mas quem disse que esse era um país justo?

Levara o laptop, mas ficaria desconectada. Me recusava a pagar mais por isso.
Sem a internet para navegar, e com a máquina fotográfica a mão, resolvi colocar em prática algumas idéia. Passei a tarde nisso.
Nada ficara realmente bom.

Frustrada, resolvi descer e caminhar até o shopping. Ao chegar no lobby, vi que a calçada estava molhada.
― Choveu?!?! - perguntei espantada para o funcionário do hotel.
Como se não fosse óbvio. Não conseguia imaginar como podia chover naquela cidade seca.
― Sim, mas já parou. - respondeu ele.
Caminhei uns 15 minutos pelas ruas daquela cidade. As ruas subiam e desciam a toda hora.
Ao chegar ao shopping as ruas vá estavam secas.
― Com esse clima seco só podia ser assim mesmo. - disse comigo mesma.
Sentia fome. Fui direto para a praça de alimentação. Não tinham muitas opções.
Escolhi um que se dizia especializado em pratos à base de camarão. Pedi um prato de camarão com Catupiry.
A comida era lamentável. Comi sem vontade nenhuma. Tudo era sem gosto e o Catupiry estava mais para creme de leite. Péssimo!

Segui para o hotel ainda mais frustrada.
Se tinha uma coisa que eu apreciava muito era uma boa comida.

O domingo não estava sendo nada bom. Era melhor dá-lo por encerrado.
Li um pouco até adormecer.

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Chegara cedo ao local que trabalharia durante toda a semana.
O prédio era pequeno e com apenas um andar. Havia um corredor central que atravessava as salas. Todas as salas tinham paredes de vidro da metade pra cima permitindo a visualização dos ocupantes de todas as salas. Cada sala continha de 6 a 8 pessoas.
A reunião que participaria era em uma sala anexa ao prédio.

O sono me invadia. Fui procurar a copa em busca de um café.
Vários rostos desconhecidos até a copa. Uma colega de trabalho que também viajara até lá me acompanhava.
Na copa mais rostos desconhecidos. Muitos davam bom dia e eu respondia.

Ao fundo da copa um rosto se destacou.
Ele tinha pele branca e cabelos escuros, meio arrepiados para cima de uma forma displicente, mas charmosa.
Despertei imediatamente. Mesmo não tendo pegado o café ainda.
― Que bonitinho! - pensei.
Ele vestia uma camisa de malha azul e uma calça jeans e era pouca coisa mais alto que eu. Devia ter um metro e oitenta.

Seus olhos encontraram os meus. Eram de um castanho profundo. Um sorriso encheu-lhe o rosto e ele caminhou em minha direção.
Ele deve estar se encaminhando para a porta – pensei – Já que estou no caminho.
Ele chegou perto ainda olhando pra mim. Meu coração se acelerou um pouco.
― Olá! Como você está?
Fiquei confusa. Ele me conhecia?
Seu rosto não me era completamente estranho, mas esse tipo de coisa me acontecia com certa freqüência. O que não queria dizer que fosse conhecido.
Não me recordava de ter sido apresentada a ele em momento algum.
― Oi. Tudo bem – respondi meio sem graça – E você?
― Bem. - respondeu. Ele ainda sorria.
Eu sorria de volta sem saber o que mais dizer.
Outras pessoas entraram, mais bom dia. Por alguns momentos tinha me esquecido do que tinha ido fazer. Também tinha esquecido da colega que me acompanhava.
Peguei meu café e fomos para a reunião.

Saí de lá com a certeza de que não sabia quem ele era. Ao mesmo tempo, confusa e estranhamente feliz.

Após o almoço, resolvi andar um pouco pelo prédio. Tinha esperança de encontrá-lo.
Tudo vazio. Nenhum sinal daquele estranho tão familiar.
Ouvira vozes na parte de traz do prédio e um barulhinho intercalado e repetitivo que não conseguia identificar.
Fui naquela direção. Do lado de fora encontrava-se uma mesa de ping-pong. Duas pessoas jogavam e outras acompanhavam na lateral e aguardavam sua vez.
Senti quando minha respiração de alterou. Ele estava lá. Recostado na posta oposta observando o jogo. Não parecia esperar para jogar, apenas assistia.
Decidi atravessar a varanda. Fui assistir ao jogo perto dele. Coração acelerado.
Ele sorria. Olhos receptivos.
― Olá! - eu disse.
― Olá! Joga ping-pong?
― Não, só assisto – respondi.
Eu nunca tivera nenhuma habilidade para esportes com bola. Era uma negação.
― Eu também não jogo, mas aqui é só uma brincadeira.
― Mesmo assim, prefiro não arriscar.
― Você vai ficar quanto tempo?
― A semana toda.
― Ah, então você vai ter tempo de conhecer a cidade. Você já conhece?
― Já vim para cá outras vezes, mas sempre rápido. Nunca tive tempo para conhecer nada.
― Então agora vai ter que conhecer. Tá com internet no hotel?
O problema da internet. Hoje, comunicação e informação é na internet, ainda mais quando se está fora de sua cidade natal.
Percebi que ficaria isolada sem a internet.
― Não. A empresa me reservou um quarto standard, não tem internet.
Neste momento fiquei ainda mais chateada com o hotel. Minha decepção devia transparecer em meu rosto.
― Eu tenho em casa um guia turístico da cidade. Posso olhar e marcar nele o que eu acho bom na cidade e te empresto. - ele disse.
Eu sorria. Mais por dentro do que por fora. Essa viagem está ficando boa. - pensei
― Que bom. Vai ser bem útil, não conheço nada da cidade.
― Tem muita coisa boa por aqui. Muitos lugares para ir. Barzinho então... Essa é a cidade dos bares. São 30.000 bares e restaurantes na cidade.
― Nossa! É bastante mesmo! - eu disse realmente impressionada.
― Me diz que hotel que você está e o quarto que te ligo.
Dei a ele os dados e me despedi. A hora do almoço se esgotara. Precisava voltar para a reunião.
Saí dali me sentindo leve. Uma brisa suave e agradável tocava meu rosto enquanto atravessava o prédio de volta ao anexo. Estava feliz.

Após a reunião, marquei de comer uma pizza com a minha colega e um outro engenheiro local que participara da reunião e era muito solicito. Ele se ofereceu para nos levar a uma pizzaria famosa – Pizzaria Marília. Marcamos as 19 horas no hotel.

Na volta para o hotel, conversando a minha colega, ela de repente me perguntou.
― Você conheceu aquele rapaz em outra viagem para cá?
Fiquei surpresa com a pergunta tão direta. Não sabia exatamente o que responder. Afinal, não sabia quem ele era.
― Olha, se conheci, eu sinceramente, não me lembro. Mas posso ter conhecido, ele não me era estranho, sabe. - respondi meio sem jeito, esperando que isso bastasse.
Felizmente, ela não me perguntou mais nada durante a viagem.

Já estava pronta quando o telefone tocou. Meu coração disparou. Corri para atender. Era ele. Eram 18:50
― Oi. Separei aqui algumas sugestões de lugares.
― Oi. Como você demorou um pouco para ligar, já decidimos para onde vamos hoje.
― Desculpe a demora, estava marcando as opções aqui.
― Vamos para a Pizzaria Marília.
― Essa estava na minha seleção. É muito boa.
― Que bom! Marcamos 19:30 lá, ok?
― Tá bom. - disse ele.
― Então tá. Beijos.
― Beijo.
Corri para o espelho para verificar se estava tudo certo, roupa, cabelo, maquiagem leve, perfume...

Chegamos cedo à pizzaria. 19:15. Avisei que ele iria nos encontrar lá e que era melhor esperarmos para pedir.
Sentados ao lado da porta, eu podia ver toda a calçada.
19:35 e nada. A cada 2 minutos eu olhava para a rua para ver se ele estava chegando. A ansiedade aumentava.
― Você tem o telefone dele para a gente perguntar se ele já está chegando? - me perguntaram
― Não, eu não tenho número dele.
19:40 e nada. A cada minuto eu olhava para rua, alternando entre o cardápio e a rua.
Meu estômago se encolhia. Não sabia dizer se de nervoso ou de fome.
19:50. Já tinha abandonado o cardápio e olhava apenas para a rua. A conversa fluía apenas entre os outros dois ocupantes da mesa.
Ele não vem – concluí decepcionada.
Meu coração apertado e meu estômago roncando.
― Vamos pedir. Ele deve ter desistido de vir. - eu disse determinada.

Ele não aparecera.
A pizza era boa, mas não conseguiu cobrir o buraco que tinha dentro de mim.

Dormi mal a noite. Sono agitado. Coração apertado.


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Um barulho irritante. Uma respirada profunda, um ar seco invadia as vias respiratórias fazendo com que a garganta ardesse.
Uma sensação desagradável no estômago.
― O que está acontecendo? - pensei.
Abri os olhos. Acordava mais uma vez naquela cidade seca. Logo veio a lembrança da noite anterior.
Tinha levado um bolo!

Com essa lembrança desagradável levantei.

Chegara ao trabalho ainda com aquela sensação ruim. Sabia que ela se manteria enquanto eu não soubesse o que tinha acontecido.

Chegava na copa. Com uma rápida olhada vi que ele não se encontrava.
— Ele deve ter tido algum problema. – pensei – Ele teria ligado se tivesse o número do meu celular. – ainda tentava desculpá-lo.

Com o café na mão, voltava pelo corredor interno passando pelas salas envidraçadas.
Com o olhar vasculhava as salas em busca de seu rosto.
Ao fundo do corredor alguém saía por uma porta. Era ele.
— Olá menino!
— Oi menina!
— O que aconteceu ontem? Ficamos te esperando.
Seus olhos castanhos eram um misto de surpresa e confusão.
— Mas eu não disse que ia. Tenho aula segunda e quarta.
Agora era meu rosto que transmitia confusão.
Não tinha dito que ia? Vasculhei a memória tentando lembrar das palavras ao telefone.
De confusão devo ter mudado para surpresa.
Não, ele não tinha dito que ia. Mas também não tinha dito que não ia.
Passei da surpresa para o sem graça. Sem graça e com um pouco de raiva.
— Então não entendi direito. – finalmente respondi – E não tinha seu telefone para ligar e perguntar.- complementei.
— É, tivemos um problema de comunicação. Melhor trocarmos os números de celular.
Trocamos números e fui para a reunião.

Saí de lá ainda com raiva.
— Podia ser mais claro, né! – pensei indignada – Em momento algum antes ele falara de aula!
Aquela sensação desagradável permaneceu até a hora do almoço.

A reunião passara do horário. Já eram 18 horas e ainda nos encaminhávamos para o carro.
Não comia nada desde o almoço e meu estômago já reclamava.
Eu e mais dois da reunião, decidimos sair de lá direto para algum lugar, onde necessariamente tinha que ter comida.

Carro já na estrada. Mensagem no celular.

“Ei. Já descansou um pouquinho? Vocês vão jantar que horas? Me fale que apareço e dou carona até o restaurante.”
Era dele.
— Haaa! Ele acha que já estou no hotel faz tempo. – comentei.
Respondi a mensagem.
“Ainda estamos saindo do trabalho. Vamos direto para a choperia Pingüim.”
“Beleza. Beijos” – respondeu ele.
— Denovo! Isso não é uma resposta! – pensei indignada.
O que isso queria dizer? Que ele iria ou não?
Mais um rouco do estômago.
Estava muito faminta para me preocupar com isso.

Chegando ao Pingüim pedimos logo o que comer. A escolha foi por um aperitivo de filé mignon com gorgonzola acompanhado de torradas Um choppinho para completar.

Uma ansiedade contida ainda estava presente.
Não diria aos outros que ele iria. Não passaria por isso denovo. Provavelmente ele não iria novamente.

Senti meu estômago roncar mais uma vez.

Estávamos em uma mesa no limite entre as áreas interna e externa do local, com vista para uma grande árvore iluminada de verde. Um pouco mais adiante, um carro antigo brilhava exposto em uma área já próxima à calçada.
Só dava para ver que pessoas passavam pela calçada, sem ser possível identificá-las devido à distancia.

— Melhor assim – pensei – Não vou passar outra noite vigiando a entrada para ver se ele vem!

A comida chegou. O cheiro do molho de gorgonzola me invadiu. Era um cheio delicioso.

Uma torrada com mignon. Acrescentei mais molho de gorgonzola e experimentei. Era uma delícia!

— Nossa! Muito bom isso aqui – disse satisfeita com a combinação.
— É, está ótimo. – concordou um colega.
— No domingo comi um camarão com catupiry no shopping que estava péssimo. – comentei.
— Claro, você foi comer frutos do mar em uma cidade que não tem mar! Não podia ser bom. – comentou o outro colega, que era local.
— É, faz sentido. Não tinha pensado nisso. – eu disse.
Devia ter me lembrado disso. Não comeria mais frutos do mar longe do mar. – fiz um anotação mental.

— Olá rapaz! – disse o colega local, olhando para algum lugar atrás de mim.
Meu coração acelerou.
Virei lentamente para atrás. Com um sorriso cativante, lá estava ele.
Tudo passou naquele momento. Ele tinha ido!
Eu estava sentada junto a parede, e os lugares a minha frente e ao meu lado estavam ocupados. Havia apenas uma cadeira vazia, logo o lugar mais longe.
Lamentei aquela formação na mesa. Queria ele mais perto de mim.
Mas ele estava lá. Já me sentia bastante feliz.

O papo rolou descontraído. Uma noite agradável.

Dormi profundamente.

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Um despertar agradável. O ar não fazia com que minha garganta ardesse.
Nada como umidade no ar. Me lembraria de repetir o procedimento da noite anterior. Espalhara água por todo o chão do quarto e estendera uma toalha bem molhada na direção da ventilação. Apenas ventilação, nada de ar condicionado para não ressecar novamente o ar.

Mais um dia de trabalho daquela cidade.
Na única vez em que passei por dentro do prédio, não o encontrei.

Voltara ao hotel sem nem mesmo ter visto seu rosto naquela noite.
O telefone também não tocou naquela noite.

Frustada, espalhei água pelo chão.
Comecei a ler com a intenção de dormir. O livro, que comprara no aeroporto, já se encontrava no fim. A cada momento do livro eu ficava mais tensa.
Um nó se formava em minha garganta. Senti as lágrimas brotarem e meu rosto ficar quente. Mais um pouco e elas rolaram pelo meu rosto, incontroláveis.
A visão embaçada fazia com que as letras se misturassem. Uma enxugada nos olhos e mais uma página. E depois outra.
Terminara o livro. Ainda com um nó na garganta.
— Livros deviam ter finais felizes! - disse sozinha
Ainda inconformada com o final do livro, adormeci.

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Tomei um banho demorado depois do trabalho. A água morna se espalhando sobre a pele causava uma sensação agradável. Um hidratante perfumado por todo o corpo para melhorar a pele que não reagia bem àquele clima seco.

— Calça jeans. Mas Qual? - falava comigo mesma.
Vesti uma.
— Não, essa não fica boa. - Vesti outra.
— É, vai ter que ser essa. - concluí
Uma blusa preta rodada, daquelas que não marcam a barriga.
Que sapatos colocar?
Só levara um par de tênis, um sapatinho rasteiro tipo moleca já surrado pelo uso e uma sandália preta de salto alto. A sandália de salto era a única que era apresentável com essa roupa.
— Talvez seja alta demais – pensei – 1,76m mais 10 cm de salto dá 1,86m de altura total.
— É, alto demais. Ele não deve ter tudo isso de altura.
Não tinha outro adequado, era esse ou nada.

Olhei o relógio na mesinha de cabeceira: 21:00
Tínhamos marcado às 21:30. Ele passaria no hotel para me pegar. Iamos a um showzinho de rock de uma banda local.
Provavelmente ele viria com o amigo que trabalhava com ele. O amigo era um moreno que conversava comigo de vez em quando. Dizia que eles marcariam de me lavar para conhecer alguns lugares da cidade.

— O que falta? - pensei – Ah, um pouco de maquiagem, mas da exagerado.
Corretivo para as olheiras. Um pouco de pó compacto. Rímel. Um lápis bem discreto, marrom para combinar com os olhos.
Me sentia ansiosa.

Soltei os cabelos e passei a escova neles soltando bem os fios uns dos outros. Os cabelos avermelhados estavam bem compridos. A escova passava pelos fios lisos fazendo com que eles escorressem uns sobre os outros dando um volume adequado. Estava satisfeita com o resultado.

Queria que ele viesse sozinho. - pensei alto.

Uma última olhada no espelho. Tudo certo.
Desci para o átrio do hotel.
Do lado de fora o vento esvoassava os cabelos recém penteados.

Ele ainda não estava lá.
Aguardei alguns minutos. Sentia meu coração acelerado. A respiração irregular.


Um carro escuro entrou no acesso do hotel parando em frente à porta. Uma janela se abriu. Dentro do carro um sorriso charmoso me recepcionando.
Ele estava sozinho.
Entrei no carro com o coração parecendo que ia sair pela boca.

Olá menino! - o cumprimentei com sempre.
Olá menina! - ele adotara o menina também ao me cumprimentar.
Trocamos dois beijinhos no rosto e saímos.

O bar estava quase vazio quando chegamos. Tinha dois andares. No andar de baixo, encostado em uma parede, tinha um palco pequeno. Na lateral o balcão do bar. Algumas mesas espalhadas nas laterais do salão que não era grande. A música era alta e a banda só começaria mais tarde.
Fomos para o segundo andar. Era um ambiente mais iluminado. Logo de frente para a escada ficava o bar. Algumas mesas. A música ambiente era mais baixa, permitindo conversar sem a necessidade de gritar. À esquerda havia um espaço com sofás rodeando uma pequena mesa de centro. Nos sentamos ali.
Pedimos uma bebida cada.
Escolhera uma caipiríssima de morango. A garçonete, como sempre acontecia quando pedia essa bebida, me avisou que a caipiríssima é feita com Rum.
Ele preferiu uma caipivodka.

Eu estava agitada.
Estávamos sentados na quina da mesa de centro, de modo que ficávamos em um ângulo de 90° e nossos joelhos se tocavam.
Conversávamos sobre coisas cotidianas.

A proximidade e o olhar me deixavam nervosa.
Sentia meu corpo esquentar.
Ele percebia minha agitação.
Me sentia mais sem graça ainda por deixar transparecer aquela ansiedade que me consumia.
Eu sentia mais calor. O suor já brotava no colo.

Resolvi mudar de lugar. Me sentei no sofá ao lado dele. Esse lugar tinha duas vantagens: podia conversar sem ser cara a cara, olhando o movimento do local que aumentava, e a outra vantagem era que o ar condicionado insuflava o ar bem ali.
Podia, assim, diminuir aquela geração descontrolada de calor que ocorria em mim naquele momento.

Pedi mais um drink para me sentir mais relaxada. Dessa vez um “Alexander”.

O bar foi enchendo de gente.

Agora conversávamos sobre nossos gostos, hobbies e viagens. Quanto mais conversávamos, mais eu me surpreendia. Tínhamos gostos e hobbies muito parecidos.

Já devíamos estar a umas duas horas ali conversando quando percebemos que o andar se esvaziara.
A banda tinha começado a tocar no andar de baixo.

Descemos. O primeiro andar estava cheio. Já estava praticamente sem espaço no salão.
Ficamos parados nos últimos degraus da escada. Fiquei um degrau abaixo dele.
Dali tínhamos uma boa visão do palco.
Nos apoiamos na parede para assistir.

Ele estava bem próximo a mim. Podia sentir o calor de seu corpo.
Novamente sentia aquele calor descontrolado.
Pessoas subiam e desciam as escadas, fazendo com que nos espremêssemos mais na lateral para não atrapalhar a passagem.
Nossos corpos estavam praticamente encostados um no outro.
Com uma onde de coragem assumi logo essa proximidade e me encostei de vez nele. Ele me abraçou.
Minha respiração estava mais alterada do que nunca. Sentia minha boca seca. Receava que ele pudesse sentir meu coração saltando com força no peito.

Permanecemos assim assistindo ao show.

Gotas de suor brotavam em meu colo. Já não sabia mais se era de calor ou de nervoso.
Sentia sua respiração. O ar passava em minha orelha me arrepiando.

— Posso te dar um beijo?
Que pergunta era aquela? Ele ainda tinha alguma dúvida? Quase ri.
— Humm, beijinho pode. - dei nele um rápido selinho e virei pra frente.
Seu rosto expressava confusão.
Agora sim eu não conseguia me manter séria. Dei uma risada bem a vontade. Olhei pra ele ainda sorrindo.
— É claro, né!
Agora ele também sorria.
Nos beijamos.
Maldita cidade seca. - pensei.

— Vamos subir? Está muito quente aqui. - Sugeri
Compramos uma água.
Ah, muito melhor agora. - pensei em mais um beijo.

Ao saírmos do bar, ele deu a volta no carro e abriu a porta.
Nossa, ainda existem homens educados! - pensei.

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Era mais uma manhã de outono na cidade. Quando acordei fiquei deitada na cama alguns segundos assimilando a noite anterior. Sabia que em algumas horas iria embora. Queria encontrá-lo.

Um correio.
“Olá, menina!
Que horas você vai embora, podíamos almoçar juntos.
Beijos”

“Olá.
Vou embora meio dia, então vou almoçar cedo e rápido, senão não dá tempo de pegar o avião.
Beijos”

“Poxa, então não vai dar tempo da gente almoçar.”

Era verdade. Com aquele horário apertado não daria tempo de vê-lo.

Almocei rápido. Quem me levaria até a saída da unidade também já terminava de comer.
Já estava preparada para levantar do banco quando olhei para a fila do refeitório. A uns cem metros, um rosto me olhava e sorria. Com um acesso discreto de mão, ele me cumprimentou a distância.
Devolvi o acesso e me levantei. Não tinha mais tempo.
Dei uma última olhada para ele e fui embora.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A Festa

Estávamos em algum tipo de chácara reservada para o evento.
Passaríamos o fim de semana ali. Era noite de sexta.
Em um salão tocava uma música e as pessoas espalhadas conversavam.
Ele estava ali. Queria ir até ele, começar uma conversa, mas minhas pernas se recusavam. Ainda tinha esse problema, uma certa “paralisia” e um coração acelerado quando ele estava por perto.
Ele começou a conversar com uma garota. Eu a conhecia. Era amiga de um amigo meu, mas não me lembrava de seu nome. Era uma morena meio baixa de cabelos cheios.
Olhei em volta e parecia que casais estavam se formando. As luzes estavam cada vez mais baixas, a música mais alta e as conversas mais próximas.
As coisas estavam andando rápido demais ou eu é que estava paralisada a muito tempo?
Ela estava cada vez mais próxima dele. Ela tinha cabelos castanhos e sua pele tinha um tom alaranjado que contrastava com a pele branca dele.
Queria acreditar que era apenas a música alta que impedia uma conversa a distancia.
Por que estava me iludindo?
Ele não queria nada comigo, queria apenas ser mais um amigo.
Pensei nessa minha afirmação.
Ou talvez nem isso, pois já fazia tempo que ele se mantinha a certa distância de mim.
O problema é que eu não queria ele apenas como amigo. Esse devia ser o motivo do afastamento. Devia pensar que ser apenas meu amigo devia me magoar e que era melhor não ser nada. Mas ele estava enganado. Eu preferia tê-lo por perto e aproveitar sua companhia mesmo que isso fosse o máximo que ele pudesse me dar.
Perdi a noção do tempo. Já devia estar parada ali a quase uma hora.
Seus rostos estavam mais próximos. Próximos demais.
Mesmo sabendo que ele não me queria, não estava disposta a ver isso. Por que não saía dali? Ele devia ter razão, eu não podia simplesmente ser amiga dele. Uma amiga não se incomodaria com isso.
A música já era bem alta. Agora para alguém ser ouvido, só falando ao ouvido mesmo. E era exatamente isso que os poucos que ainda conversavam faziam.
Um beijo aconteceu entre eles.
Gelei e prendi a respiração. Devo ter ficado branca como vela.
Foi um beijo sem muita graça, mas ainda era um beijo.
Devia ser eu no lugar daquela garota – pensei.
Não podia ficar mais. Daquilo me doía. Não agüentaria. Um nó se formara em minha garganta. Voltaria ao meu quarto.
Me despedi brevemente das pessoas. Me despedi dele e também dela, num momento em que conversavam.
Pretendia me despedir e ir embora, mas alguma coisa me fez desabafar ao me despedir da garota que não lembrava o nome. Desabafar o que estava preso em meu peito fazia tempo. Acabei dizendo em seu ouvido.
— Eu era apaixonada por ele.
— Era ou é? – ela me questionou.
— Sou. Mas fazer o que, né....
— Há dois anos. – ainda sussurrei antes ir embora.
Não cheguei a ver a reação dela, pois me virei e saí o mais rápido possível dali.
As lágrimas já molhavam meu rosto quando alcancei a saída. O cheiro de terra molhada me invadiu. Havia chovido.
Uma ladeira íngrime e estreita se estendia na minha frente. O único caminho para a “casa” em que estávamos hospedados. A subida estava vazia. Todos deviam estar na festa.
Meus olhos embaçados pelas lágrimas dificultavam a subida, não enxergava direito. Usava as mãos para me apoiar de vez em quando para não cair.
Ouvi passos atrás. Não queria que ninguém me visse assim. Precisava me controlar.
Uma voz falou.
— Espere. – era a voz dele. Reconheceria aquela voz em qualquer lugar.
Continuei subindo. Ele não poderia me ver assim.
Mas ele logo me alcançou. Já estava ao meu lado.
— Por que você nunca me disse?
Ela havia contado a ele. Por que faria isso?
Parei de subir. Meus olhos ainda molhados encaravam o chão de pedras. Não conseguia responder nada.
Ele passou um braço em meus ombros e me ajudou a continuar o caminho até a casa. Não disse nada durante o percurso.
Me sentei em um banco do lado de fora da casa, perto de uma jaboticabeira com flores.
Algumas pessoas não tinham ido a festa e se espalhavam pelo jardim em uma conversa baixa a meia distancia. Nenhuma delas pareceu perceber nossa chegada.
Ele se sentou ao meu lado.Seus olhos negros me observavam e os meus já estavam secos.
Percebi que alguém nos observava mantendo certa distancia. Era a garota morena sem nome. Ele parecia não se incomodar com a presença dela e nem ela com a proximidade dele a mim. Quando nossos olhares se cruzaram ela assentiu com a cabeça, com um meio sorriso no rosto, e nos deixou. Tomou o caminho de volta à festa.
Nada mais fazia sentido pra mim.
Senti os seus dedos suaves passando pelos meus cabelos. Seus olhos ainda me observavam, mas já não eram olhos preocupados. Seus olhos sorriam. Sua mão segurou na minha – era quente.
— Você devia ter me dito!
Apesar de meus olhos já estarem secos minha garganta ainda tinha um nó. Não de tristeza, mas de perplexidade. Não consegui dizer nada.
Seus dedos acariciavam meu rosto. Sentia meu rosto esquentar. Devia estar ficando vermelha. Podia ouvir meu próprio coração batendo acelerado.
Senti seus lábios macios tocarem meu rosto de leve. Fechei os olhos.
Seus lábios deslizavam em direção aos meus. Os cabelos em minha nuca se arrepiaram.
Nossos lábios se encontraram. Foi um beijo sem descrição. Um beijo cheio de significado. Não eram necessárias palavras. Eu sentia. Ele também me queria. Sempre quis, desde que nos conhecemos, desde aquele primeiro olhar trocado.
O beijo que demorou dois anos para acontecer.
Esqueci de tudo o mais naquele momento!

Passamos os outros dois dias juntos. Era como se sempre estivéssemos juntos. Pareci um sonho.

Passeávamos de mãos dadas pela calçada depois de sairmos de uma loja quando comecei a ouvir uma música familiar. Ainda não conseguia lembrar de onde a conhecia.
A música foi ficando mais alta conforme caminhávamos, cada vez mais alta.
Com um estalo e um susto reconheci a música. Perdi o fôlego.
Abri os olhos. Ele havia sumido. Estava em minha cama ainda com a respiração ofegante. Era a música do meu despertador.
Fora tudo um sonho.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Último Olhar

Acordei naquele dia com o lábio inchado. Fora o pesadelo com ele que me fizera morder o lábio durante o sono.
Levantei de mal humor. Queria acabar logo com aquilo.
Liguei para casa dele. Ninguém atendeu.
Ele dissera que voltaria à cidade no dia anterior. Onde estaria?
Liguei para o celular. Caixa postal.
Droga! Quanto mais aquilo fosse adiado, pior.
Novamente um embrulho no estômago. Depois umas reviravoltas.
Vomitei.
Aquilo já era demais. Precisava parar de vomitar toda vez que pensasse nele.
A manhã passou sem maiores acontecimentos.
A tarde tentei novamente. 22882020 – chamando. Ele atendeu.
Marquei com ele para pegar minhas coisas e devolver as dele. Seria a primeira vez que o veria depois daquilo. E pretendia que fosse a última também.
Subi no armário para pegar as taças que ele me dera de natal para juntar às coisas dele. Eram taças de champagne com palavras tipo amor, prosperidade, felicidade, etc, que usamos no ano novo.
Tudo mentira. Não as queria mais.
Coloquei tudo no carro e fui ao local marcado. Não queria ele na minha casa.
Chegando encontrei aqueles olhos verdes tão familiares, mas já não me diziam nada.
Trocamos as sacolas com nossos pertences. Agora só faltava ficar livre dele.
― Se você quiser falar alguma coisa a hora é agora. Não terá outra oportunidade. Você não me verá nunca mais. - declarei.
― Me desculpe. Eu sei que errei e errei feio. Sei que estraguei a sua vida e a minha. Estraguei muitas vidas. Eu não te mereço.
Ah, agora que ele percebia que não me merecia.
― Não tem como te desculpar. Você tem culpa sim.
― Eu sei e lamento muito.
Mas seus olhos não pareciam lamentar nada.
Seus olhos diziam apenas que estava incomodado com a situação, mas diziam que se arrependia.
Ele me disse mais uma dúzia de coisas que já não importavam.
Aqueles olhos verdes é que me disseram o que importava.
Ele nunca me amara de verdade. Apenas enganou a mim e a si mesmo. Ele nunca amara ninguém.
― Eu quero que você apague todos os meus telefones. Agora. - exigi.
Não queria que ele resolvesse me ligar para se desculpar denovo ou para tentar me envolver denovo, como já havia feito outras vezes.
Agora chega. Nunca mais. - pensei comigo.
Não queria mais nada dele.
Ele apagou meus números do celular.

Liguei o carro e deixei-o sentado na calçado e fui embora sem olhar para trás.

Neste dia e naquela noite eu chorei tudo que não tinha chorado naquelas duas semana anteriores. Chorei de se faltar ar, chorei do fundo da alma.
Adormeci de exaustão.

Nos dias seguintes era como se o ar ficasse cada vez mais leve. Estava livre. Livre de tudo.

sábado, 31 de janeiro de 2009

O Resultado


Estava num torpor olhando a tela do computador. Meu corpo ali, mas minha mente longe.
— Por quê?
A pergunta me trouxe de volta a realidade. Alguém falava comigo.
— Hã??? -grunhi
— Por que você está assim? Por que você não está feliz como ela?
— Como?!?
Eu ainda não entendia do que ela estava falando. Tinha perdido alguma coisa?
— Você passou! Por que não está radiante?
Ah, era isso. Sim, eu estava feliz. Mas radiante era pedir demais naquele momento.
Seu cabelo louro meio armado, cortado num chanel desfiado, emoldurava seu rosto já com rugas da idade com um sorriso aberto.
— Sim, estou feliz. – respondi.
— Ela está com um sorriso de orelha a orelha! Por que você não está? – insistia ela.
Cobrança e comparação. Ah, ela não sabia de nada da minha vida. E nem saberia se dependesse de mim.
Não estava disposta a dividir aquela parte da minha vida. Pelo contrário, queria esquecê-la.
— Não é nada. – menti – Só estou pensando no futuro, em como serão as coisas. – completei.
A verdade é que estava pensando no passado.
Mas ela também era mulher. Não se deixou enganar facilmente com essa simples resposta. Precisava ser mais convincente.
Tentei
— Só estava pensando que eu vou ficar sem férias! – foi a primeira coisa que me veio a cabeça.
— Provavelmente o curso começará antes que eu consiga tirá-las – continuei – E eu gostaria muito de poder sair de férias. É por isso! – finalizei.
Isso realmente não me incomodava, mas talvez fosse uma boa desculpa e os questionamentos parassem.
— Ahh! – disse ela sorrindo.
Sorri para ela na esperança de que acabasse ali.
Estava enganada.
Isso desencadeou uma análise de todas as minhas opções, considerando todas as hipóteses possíveis.
Não prestava mais atenção em tudo que ela dizia. Concordava de vez em quando nos momentos em que ela respondia uma pergunta dela mesma.
Ah, Denise! Seu sorriso radiante estava me afetando. Mas ela tinha todos os motivos para estar assim. Tinha passado, e muito bem!
O problema eram os outros. Ou alguns.
As pessoas podem reagir de formas diferentes às mesmas coisas. Isso era tão difícil de entender?
Nunca gostei de comparação. Acho que ninguém gosta.
Eu só queria um pouco que paz.
— É, não tem jeito – disse ela – Não vale a pena arriscar.
Parecia que ela tinha chegado a uma conclusão.
Que bom. Eu poderia tirar aquele sorriso meio sem graça do rosto e tentar voltar ao trabalho.
Ela se fora.
Denise! Onde estava? Olhei por cima da baia Ela não estava em seu lugar.
Falaria com ela depois.
Fui tomar um café.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O Fim

Estava agitada. Um pouco diferente dos dias normais. Alguma coisa me incomodava.

Ele tinha me ligado no almoço, mas não disse o que queria.

Liguei o computador assim que cheguei. Ele estava lá.

― Oi – escrevi.

Não houve resposta.

Liguei, chamou de depois ele desligou.

― Oi – ele escreveu.

― Não quer vídeo não?

Meu coração se agitou. Isso não era comum.

― Eu tenho uma coisa importante para te contar. - disse ele. - Fiquei sabendo a uns dois dias.

Desse jeito não parecia bom.

― E você não vai gostar. Eu não gostei.

Estremeci. Minha respiração de repende ficou rápida. Meu coração batia mais rápido. Não, não podia ser. Devia estar exagerando.

― O que foi? - eu disse.

Nada.

― Fale logo! - exigi. A respiração presa.

A demora me apavorava. E me deixava com mais certeza do que eu não devia saber ainda. Meu coração se acelerava mais. Não, isso não! Não queria ouvir uma coisa dessas. Agora não. Nunca.

― Eu acabei ficando umas duas vezes aqui em curitiba com a Daniella.

O sangue se esvaiu de meu rosto. Fiquei gelada. Não, isso não pode estar acontecendo, não comigo. Meu coração agora batia mais rápido que repique de escola de samba. As mãos suavam frio. A respiração parecia não ser suficiente. Eu não podia acreditar nisso. Não queria acreditar. Mas era verdade, não tinha mais como fugir, ou fingir.

― Não me diga, e transou com ela. - eu disse.

― Sim.

― E ela tá gravida. Porque você não foi capaz de usar camisinha! - despejei

O que eu queria era gritar. Mas o covarde estava me contando isso pelo msn.

― Estava alcoolizado e não pensei direito, mas isso não é desculpa.

Levantei. Andei de um lado para o outro. As palavras ainda ecoando em minha cabeça. Eu tremia descontroladamente. Não, não queria acreditar. Era uma covardia fazer isso comigo. Ainda mais assim.

Continuei andando enquanto via frases no msn que não conseguia ler. Já não faziam sentido.

― Não sei se o filho é meu. Vou ter que fazer um teste de DNA.

Alcoolizado... Como se fosse um adolescente de 17 anos. Com uma desculpa esfarrapada dessas. Meu estômago deu uma cambalhota.

― Soube disso ante ontem.

― Isso aconteceu em outubro eu acho. - disse por fim

Logo no mês do meu aniversário. E eu aqui esperando ele chegar.

Meu estômago se revirava. Tinha vontade de vomitar.

― O que você quer que eu diga? - perguntei tentando manter os pensamentos.

― Você disse a ela que você estava acertando tudo pra morar comigo aqui?

― Sim ela sabia de você.

Meus dentes batiam sem controle. Meu maxilar duro de tensão. É como se estivesse -20°C naquela noite.

― Você acha que eu transei com alguém aqui enquanto você está aí? - disse irada

― Não, acho não.

― Que amor é esse? - queria gritar

― Acho que eu fui um canalha. Você esta certa.

Sim, ele era um canalha!

― Quando eu acho que você já tinha me decepcionado de todas as formas, você consegue fazer pior.

Meus olhos ficavam molhados.

― Eu sei. E da pior forma.

― Como você pôde fazer isso!

Não agüentava mais aquilo.

Liguei para uma amiga. Contei o que aconteceu.

― Não era o que eu queria que tivesse acontecido. - ele continuava escrevendo. ― Fiz errado desde o momento de ter ficado com ela.

― E você fez eu envolver com você denovo... coisa que eu tinha medo de fazer...

Ainda tremia ao escrever.

― Independente do filho ser seu ou não, você passou de todos os limites de confiança que alguém pode superar.

Tremia ainda mais e não conseguia mais escrever.

― Eu sei que não existe mais volta. - disse ele

Minha cabeça rodava. Não conseguia pensar direito. Frases continuavam a aparecer na tela, mas já não conseguia entendê-las direito.

Liguei para outra amiga. Precisava falar.

Saí com ela. Achei que podia enlouquecer se continuasse ali olhando pro computador.

Ela me contou histórias de outras pessoas que pareciam muito piores que a minha, mas aquilo não serviu pra aliviar a minha dor.

Não consegui comer.

Deitei naquela noite sem conseguir chorar. Mas com um embrulho no estômago. Todo o meu interior de revirava.

Não agüentei e levantei pra vomitar.

Mas nem assim adiantou, continuei com o estômago embrulhado. Revirava na cama. Os pensamentos em desordem como um furação que passa devastando tudo. Já não sabia mais o que era real e o que era pesadelo.

Não sei em que volta do estômago adormeci.